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UM PAR DE BOTAS

UM PAR DE BOTAS

SERRA NEVADA

HECHO!!!

 

Quarta-feira, 6 de Junho de 2007, 23h30.

O Tempestade começa a apanhar os “companeros” para levar em excursão à Serra Nevada.

O automóvel está cheio, de mochilas, catrefada de gente, euforia, ansiedade, e vontade de comer quilómetros e montanhas. Eles e elas que venham!!!

 

Ao fim de cinco horas de viagem, cerca de seiscentos quilómetros andados e já em território espanhol, só sobra música dos U2 que teima em manter semi-abertos os quatro pares de olhos, barrigas fartas e uma caixa de caroços de cerejas.

 

Que bela paisagem andaluza se começa a vislumbrar, quando o céu se torna de azul rosado e o sol começa a esticar os seus quentes raios de luz em toda a extensão! Finalmente a planície dourada!

 

Quinta-feira, 7 de Junho, às dez da manhã, hora local, estamos a parar para a tão ansiada e desejosa  pausa..... na PRAIA!!!!!

Tratou-se de uma decisão extremamente difícil de tomar, bem ponderada, delineada e decidida em conselho botista. Mas de facto o cansaço obrigava a uma pequena pausa para despertar. Afinal, só estávamos a cerca de trinta quilómetros do sopé da grande montanha.

Permitimo-nos um luxo... um banho de mar mediterrâneo durante a manhã e à tarde uma subida aos 2.500 mts de altitude com vistas para a neve.

 

E foi com odor a maresia que nessa tarde solarenga iniciámos a pé a aventura na Serra Nevada aos 2.200 mts de altitude.

Pessoalmente fiz questão de desviar o pensamento da praia e da leveza da água turquesa mediterrânica, quando comecei a sentir o peso dos cerca de trinta e cinco quilos que levava em cima do corpo e olhei para a placa de início do trilho que nos levaria até ao Refúgio de Poqueira a 2.500 mts de altitude e a cerca de nove quilómetros de distância. De repente imaginei que a balança me tinha enganado e afinal a mochila pesava uma tonelada!

Sinceramente tive a sensação de que o corpo queria voltar para trás e o coração queria caminhar em frente. A razão acabou por se impor, mas entretanto no meio deste conflito interior, já os outros três se tinham posto a marchar furiosamente monte acima, para minha angústia. Como é que eles conseguiram encontrar tanta vontade?

 

O refúgio que se nos deparou ao fim de quase duas horas e meia de caminho, mais fazia lembrar uma mansão perdida no meio do monte, perfeitamente integrada na paisagem e de olhar vigilante para o fundo do extenso vale do Poqueira.

Após voltar a ajustar o ponto de gravidade do corpo ao normal, quando larguei literalmente a tonelada que tinha às costas, foi possível beber então um pouco mais daquela paisagem Alpujarreña, como lhe chamam os locais. O silêncio numa paisagem campestre é fantástico, mas quando paramos de andar, de mexer, de respirar, e nos conseguimos até alhear do próprio bater do coração, aquele toma uma dimensão estranha. Quase parece que a natureza nos fala através da terra! Num tufo de ervas que suavemente ressoa à nossa esquerda com a aragem que corre..., uma ave que pia por cima de nós..., uma cabra montesa que quase imperceptivelmente remexe a terra lá mais em baixo à direita, enquanto pisa pequenas pedras de xisto... Coisas que não vemos, mas conseguimos olhar... é esta a magia que se consegue ter, quando paramos.

 

De refúgio temos mais do que precisamos, num contexto de conforto e que mais parece um hotel.

Nessa noite, tivemos o dom de ver transformado em comida, aquilo que nós chamamos “plastic food”, ou comida em pó. Quando nos sentámos numa mesa corrida e atacámos o “tacho”. Divinal!

Talvez motivado pela fome que já sentíamos, ou talvez pelo entusiasmo no convívio, ou ainda porque a serra abre o apetite, como alguns dizem... Uma coisa é certa, nunca houve nenhuma vez que eu caminhasse que a comida a seguir não tivesse um sabor mágico!

 

Antes que o corpo berrasse ainda mais, dei uma fugida até à escuridão da “Noche en los Jardines de España”, no alto da serrania.... e Vénus ali estava..., depois de tanta beleza que nesse dia já tínhamos visto... e assim fui para dentro a recordar os Lusíadas de Camões...

 

Sexta-feira, 8 de Junho, 7h30 da manhã, hora local

Após uma noite “reconfortante”, iniciámos a tão ansiada subida ao pico do Mullacén, e tentar também nós roubar o nome ao emir.

Também havida de ser nosso!

E assim ao fim de duas horas de subida, alcançávamos o topo da montanha.

Não é o facto de nos encontrarmos no ponto mais alto de Espanha e da Península Ibérica, que me fascinou, mas sim “admirar” tão grande extensão de território. Ter esse privilégio, a honra de poder olhar, a imensidão do espaço, numa paisagem espraiada. Voar com os pés na terra.

 

Mas como subir a um só cume num dia é muito pouco... afinal, mesmo ali ao lado estava outro gigante à nossa espera, O Alcazaba. Bastava descer um pouco andar mais cerca de duas horas e meia e pronto, mais uma conquista.

Assim foi, e almoçamos no terceiro maior pico da Serra Nevada e da Península Ibérica. Eles que venham! Ahora que lo hemos logrado!

E por falar em España, estavamos a subir este segundo cume do dia, quando ao nosso lado também iam três caminheiros hermanos malagueños, com quem acabámos por partilhar um almoço de confraternização ibérico. Pão, enlatados, salpicão e até... dos botellas de vino de Rioja, que despachamos em três tempos. É claro que houve vivas aos dois paises! Viva Portugal! Olé España!

Na descida, ainda me enganei e subi ao irmão mais pequeno do Alcazaba, a Loma Pelada a cerca de 3.200  metros de altitude,  que ficava de caminho para o refúgio.

 

Sábado, 9 de Junho de 2007, 7 da matina.

Já de mochila às costas partimos em direcção ao segundo maior cume da nossa aventura na Nevada. El Veleta. A cerca de três horas e meia de distância, segundo previsão do guarda do parque. A nossa intenção além de subir lá acima, era reduzir o tempo de percurso. O tempo para o final do nosso feito aproximava-se e ainda tinhamos tantos cumes por conquistar...

O pico do Veleta foi atingido ao fim de duas horas e meia, por caminhos de pé posto, estradões que bordejavam cristas de montanha e trilhos na neve, que ainda resistia ao degelo.

Se subir ao cume dos montes nos alimentava a nossa necessidade de testar a resistência, descer cerca de cem metros em declive de 70%, numa face branca perfeitamente lisa, foi simplesmente... radical. A adrenalina foi puxada ao máximo.

Do refúgio até ao automóvel, novamente, foi um saltinho de mais nove quilómetros e outras duas horas e meia a pé.

 

Assim foi a nossa passagem pela Serra Nevada, e na qual por entre horas de caminhada, quilometros feitos, reflexões pessoais, conversas mantidas, e abraços, conhecimentos travados, nos sentimos mais ricos, não de vaidade com a aventura de termos subido mais alto do que alguma vez tinhamos estado, mas sim, por reconhecermos quão simbólicos somos, quão frágeis, perante tão grande beleza, quer aquela que a natureza nos proporcionou, como aquela que nós nos proporcionámos, através do companheirismo....

 

Aqui dentro, as imagens e sensações que vivemos neste últimos dias fervilham, e não param de me passar à frente dos olhos, a uma velocidade alucinante como flash’s. Sempre com um sorriso na cara.

 

Medronho, excelente a ideia da Nevada para preparar para Marrocos. Testar, aclimatar, preparar, experimentar, prevenir. Sim senhor. Sempre cuidadoso. Mais uma vez, tiro-te o meu chapéu! Amigo!

Muito obrigado também pela tua companhia nas viagens, tanto para lá, como para cá. Se conduzir de noite não é fácil, mas ir ao lado do condutor, sem nada para fazer, toda a noite, acordado é ainda MAIS DÍFICIL. UM ENORME OBRIGADO PARA TI.

 

Galga Montanhas, a tua simplicidade é fantástica! A conversa fácil, , sempre óptimista, A alegria com que vives cada um destes momentos, de facto põe sal e dá gosto a todos os momentos... É fantástica a forma como duma maluqueira nossa, que é em quatro dias percorrer mais de 2.000 kms de carro, percorrer a seguir horas e horas a pé de mochilas às costas, subir ao cimo de montanhas e praticamente sem dormir, tu consegues ter o dom de transforma isto numa coisa séria. Chego à conclusão que de brincadeira de crianças isto não teve nada.

A tua sabedoria é igualmente um ponto de referência para nós. Um farol para nos guiarmos. 

 

Águia Real, mais uma caminhada na tua companhia, mais uma daquelas duronas, onde de facto testamos a nossa resistência, tanto física como psicológica. E mais uma vez tive a prova. É bom caminhar na tua companhia. Sempre fiel, cuidadoso, sensível, amigo do amigo, esforçado, com um excelente sentido de orientação. E um excelente aventureiro, também!!!

 

E como dizem na terra de Cervantes... Hecho! Que venga outro!

Tempestade

publicado às 09:59

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